segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Tantas Letras! 2012 - (III)

Reportagem de: Ivan Leite

2º. Encontro: Oficina – 1

Coordenadores: Reynaldo Damazio e Cristina Paiva


Data: 22.09.2012

Reynaldo Damazio:
(poeta, editor, crítico literário, autor de Horas perplexas).

Cristina Paiva:
(jornalista e crítica literária, colaboradora do Guia da Folha).


Oficina – 1:

Sala das Oficinas - Pinacoteca de São Bernardo do Campo

No último dia 22 de setembro de 2012, a oficina literária do Tantas Letras! recebeu a jornalista e Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, Cristina Paiva. Ela apresentou ao grupo uma leitura da sua dissertação de mestrado: “Oficinas de criação como rede em construção:aspectos comunicativos nas propostas de Edith Derdyk e Mario Bellatin”.


Cristina iniciou sua exposição falando sobre criatividade e logo em seguida falou ao grupo sobre “crítica genética”, definiu a expressão como - nome dado ao estudo do processo de criação artística que leva em consideração não só os manuscritos, mas todos os tipos de documentos usados pelo artista na criação da sua obra de arte.

Então, Cristina contou a todos que sua orientadora de mestrado, a Profa.  Dra. Cecilia Almeida Salles, confirmou, com sua própria experiência, que o processo de criação não se reduz simplesmente ao manuscrito. Ela comprovou isso, quando pediu ao escritor Ignácio de Loyola Brandão para que lhe desse, para estudos, os manuscritos do livro: “Não Verás País Nenhum”, só que ao invés dele entregá-lo simplesmente, deu-lhe uma caixa repleta de desenhos, fotografias, músicas, anotações de diários e outros documentos que ele usou para escrevê-lo.

Cristina continuou contando que esse fato fez com que a Dra. Salles criasse uma teoria a respeito de toda essa experiência. Ela diz o seguinte: a escrita é um movimento de apropriação e transformação; ela não é linear e seu percurso é tortuoso, vai e volta; a escrita é uma rede em construção num processo formador.

Na sequência, Cristina distribuiu aos presentes 3 textos de Mario Bellatin para leitura e discussão do grupo. Foram eles: “Cravos [11]”; “Trevos [13]” e “Açucenas [17]” do livro: “Flores” (da Editora Cosac Naif, 2009 e tradução de Josely Vianna Baptista). O livro, que foi recebido pela crítica como originalíssimo, pode ser lido como se fossem mosaicos, criando um todo. Há nele cruzamentos entre os textos e o caráter de objetividade da narrativa, ao tratar de temas absurdos, gera certo estranhamento no leitor.


Mario Bellatin. Foto: Gabriela León

http://www.cosacnaify.com.br/flip2009/index.php/2009/06/26/flores-de-mario-bellatin-2/
Após as discussões e impressões do grupo sobre a leitura dos textos, Cris Paiva deu aos participantes da oficina uma visão de quem é Mario Bellatin. Ele foi vítima da talidomida, que mutilou seu braço direito; usa essa mutilação como algo autobiográfico , porém de modo sutil, enviesado. A mutilação aparece de várias maneiras em seus livros e podemos associar a falta de capa do seu livro Flores a uma brincadeira nesse sentido. Escreve, escreve e depois vai cortando e cortando, e cria com isso um sistema de escrita que encontra nexo nos fragmentos e recorrências das escritas. Ele questiona a verdade da ciência e usa o tempo presente para dar caráter de objetividade em uma escrita cortante. Sua escrita abre espaços vazios para o leitor e faz diálogos com outras artes, cinema (takes) por exemplo.

Para encerrar, Cris distribuiu aos presentes o texto A escada, do escritor Joca Reiners Terron, publicado no suplemento Ilustríssima do Jornal Folha de São Paulo do dia 16 de setembro de 2012 (leia abaixo) e propôs ao grupo escrever um texto em mosaico ao modo Joca Terron.
_______________________________________________________________
16/09/2012 - 08h00
“A escada”

JOCA REINERS TERRON - ESPECIAL PARA A FOLHA

1. Aqui começa a viagem para cima. Aqui começa a viagem para baixo. O que nem todos sabem é que escadas não levam apenas acima e abaixo. Escadas são passagens para outras dimensões. Não se trata somente de subir ou de descer, mas de transcender.

2. Em 1925, uma faxineira desapareceu na escada entre o 29º e o 30º andares do edifício Martinelli, em São Paulo. Apesar de seu marido afirmar que ela fugiu com outro, nunca se soube de seu paradeiro. Desde então aquele trecho das escadarias ficou conhecido como Triângulo das Bermudas. Outro mistério é a origem de tal nome. "Tenho certeza de que naquele dia a Maria usava saia", afirmou a única testemunha.

3. Ajoelhe-se diante de uma escada e aproxime o ouvido do primeiro degrau. Nele, você ouvirá o tum-tum dos fabricantes de escadas africanos, aqueles que salvam vidas humanas e aumentam o jejum forçado dos leões.

4. Pise numa escada e de repente você estará em outro plano.

5. Após almoçarmos num restaurante perto de casa, falei que a deixaria. No caminho de volta ela enlouqueceu aos poucos, e ao chegarmos em casa estava fora de si. Me agrediu com um rodo, daqueles de banheiro. Procurei me defender. Despencamos no chão. Ela me perseguiu com uma tesoura de cortar cabelos que guardo até hoje (achei-a alguns dias depois na rua em frente).

Na fuga, despenquei por dois lances da escadaria do prédio.

6. Os antigos incas acreditavam que escadas eram a única forma de se atingir o plano divino. Por isso seus monumentos tinham a escada como principal elemento arquitetônico. Ao escalá-las, os incas ficavam mais próximos de Deus. Eles não contavam, porém, que o Deus deles também poderia descer pelo mesmo caminho. A escada foi o início do fim dos incas.

7. Alguém se acidentou aqui.

8. Seu Zé Maria esfrega as escadarias do edifício Itália há exatamente 35 anos. Em seu trabalho de zelador já encontrou de tudo: lenços ainda úmidos do choro de despedida de alguém que desapareceu, uma fantasia de Homem-Aranha e mais de 20 pessoas desmaiadas. Ele afirma que um fantasma habita aquela escadaria. "Mas eu nunca vi", diz. E completa: "Quando estou subindo, o fantasma está descendo. E vice-versa". Seu Zé Maria, ao contrário dos incas, é bastante sortudo.

9. A cada passo acima você se torna mais transparente (nuvens).

10. Depois de cair da escadaria, vaguei manco pela cidade até o endereço de um amigo. Ele ainda não tinha chegado do trabalho, e o esperei na rua. Sentado no meio-fio, percebi a ferida em meu joelho direito.

Tinha a estranha forma de uma escada.

11. A cada passo abaixo o tom de sua pele se intensifica (chamas).

12. O monumento de pedra mais antigo do mundo é a pirâmide de degraus do rei Zóster, em Saqqara, no Egito (2665 a.C.). Reza a lenda que seu arquiteto, Imhotep, desapareceu sem deixar pistas. Pesquisadores dizem que ele foi sequestrado por OVNIs. Contudo, acreditamos que Zóster se encarregou pessoalmente do sumiço de Imhotep. É sempre assim: quando os reis aprontam alguma, a culpa sempre recai nos alienígenas.

13. Escadas se desdobram em vários sentidos, conduzindo a outras dimensões.

14. Dentro deste bueiro há uma escada que leva a outro bueiro onde existe outra escada e assim sucessivamente, até dar aqui embaixo, onde nós te esperamos.

15. A ferida nunca foi totalmente curada. Meu joelho direito não é mais como antes. Sinto dores periódicas no local, e através delas consigo prever a chegada de frentes frias. De modo que ainda me sinto preso àquela escada. Penso em fazer plástica para corrigir a cicatriz. Sempre escolho ir pelo elevador.

16. Uma escada se esconde em cada descuido. O contrário também pode ocorrer.

17. As faces dos degraus onde pisamos se chamam espelhos, em arquitetura. A denominação não surgiu por acaso: as escadas de alguma forma têm o poder de refletir nossa personalidade, determinando assim o destino de cada um de nós. Ao subi-las, lembre-se: não se trata somente de subir ou descer, mas de transcender.

18. Escale esta escadinha de corda e saia num alçapão no centro do picadeiro de um circo da China.

19. Coisas terríveis acontecem nos desvãos das escadas, principalmente nos romances policiais.

20. Escadas helicoidais têm hélices e viajam.

21. Quando está tudo escuro e não há ninguém por perto, bem devagarinho e silenciosamente as escadas começam a rolar.

22. Escadas não têm fim.

Fonte do texto “A escada”:

Ivan Leite – 30.10.2012 – Santo André – 07h23min. – Primavera

(*)Texto reescrito com sugestões de Cristina Paiva. (19.11.2012 – 22h25min) 

5 comentários:

Su Simon disse...

Fiquei louca para escrever o meu texto, pode ser qualquer tema cotidiano? tipo uma viagem de ônibus?
Obrigada pelo texto.
Su

Ivan Leite disse...

Sueli, um assunto que se repete de vários ângulos.

Su Simon disse...

Obrigada, vou escrever o meu texto e envio, será que pode opinar se escrevi direito?
agradeço
abraço
Su.

Ivan Leite disse...

Sueli, não esqueça que tem que escrever em mosaicos e a palavra desenvolvida deve aparecer pelo menos uma vez!!!

Ivan Leite disse...
Este comentário foi removido pelo autor.